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Herdeira da marca francesa, Pascale Mussard abre a primeira loja de sua marca de reciclados chiques, a Petit H

Por Fabiano MAZZEI

O que sai da linha de produção do ateliê da Hermès, em Pantin, nas cercanias de Paris, todo mundo conhece. São sapatos, carteiras, gravatas, os carrés (aqueles lenços quadrados, famosos), porcelanas, joias, selas de cavalo e, claro, as Birkins e Kellys, suas consagradas e cobiçadas bolsas. Mas o que fica lá dentro da oficina, o material descartado, pouca gente conhecia. Foi nesse ambiente, entre tiras de couro caídas das mesas e sobras de seda dos lenços, que cresceu Pascale Mussard, tataraneta do fundador do império, Thierry Hermès, e ex-diretora criativa da marca.

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Sonho de criança: Pascale Mussard na loja de sua marca, a petit h, na rue Sèvres, em Paris. Brincadeira de menina com restos de tecido, metal e couro das oficinas Hermès virou negócio
Quando criança, Pascale se encantava com o que encontrava pelo chão do ateliê ou com as peças que não haviam passado pelo rígido controle de qualidade da empresa e aproveitava para criar sua própria “linha” de brinquedos. Agora, mais de 30 anos depois, a brincadeira virou negócio. Há dois meses, a herdeira abriu as portas da primeira loja da petit h, submarca da Hermès criada por ela em 2009, cujos produtos são desenvolvidos apenas a partir da reciclagem desse descarte. A palavra de ordem ali é recriar. Tiras de couro viraram molduras de espelho. Cavalinhos e bichos de pelúcia nasceram de sobras de tecido. A sineta de cristal era, antes, uma taça com defeito no cálice.
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Linha B: bolsas, carteiras e acessórios oriundos dessa reciclagem têm preços
mais acessíveis, mas não populares
E, assim, tudo ganha uma segunda vida. “É estimulante dar uma nova chance a um objeto abandonado”, diz Pascale com exclusividade à Dinheiro. Ela lembra que, quando menina, não entendia o motivo de uma pequena falha no couro de uma bolsa fazê-la ir para o lixo. “Ficava espantada em ver jogarem tanta coisa bonita fora”, diz Pascale. “Não tolerava.” Ela julgava também um desrespeito ao trabalho dos artesãos, desprestigiado por detalhes mínimos. Dessa indignação quando criança à loja na rue Sèvres houve uma longa trajetória. Pascale formou-se em direito e negócios na European Business School, em Londres, trabalhou na área comercial, foi diretora de marketing e relações públicas da empresa da família, até se tornar diretora criativa, em 2002, ao lado do primo, Pierre-Alexis Dumas.
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Reinventividade: espelhos cujas molduras receberam couro de crocodilo
O badalado setor de bolsas e acessórios da maison ficou sob sua supervisão até 2011, quando deixou o posto para se dedicar exclusivamente à petit h. Pascale recrutou costureiras e artesãos experientes da Hermès, com mais de 20 anos de casa, para usarem suas habilidades manuais na linha de produção. Os novos produtos são recriados por designers e artistas convidados pela empresária. Ela os leva ao ateliê onde está o material descartado e ali começa a jornada. “Chamo o lugar de ‘caverna de Alibabá’, onde eles são livres para criar objetos excepcionais em espírito de inventividade e qualidade”, afirma ela. “Renascer e reciclar são a abordagem fundamental desse trabalho.”
Esse mesmo espírito de reeditar produtos pode ser visto em outras marcas de alta-costura, que também têm reciclado roupas para construir coleções atuais. O estilista belga Martin Margiela apresentou em janeiro deste ano, em Paris, uma linha inteira de vestuário criada a partir da desconstrução de roupas dos anos 1920. As peças foram descosturadas, recortadas e remontadas já com um design mais atual. O resultado foi bastante aplaudido. De volta ao laboratório de criação da petit h, de lá saem produtos inusitados cuja qualidade do material e do acabamento, como se pode prever, é excelente. Quanto aos preços, se não estão no mesmo patamar da marca-mãe, não podem ser chamados exatamente de “populares”.
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Caverna: á esq., o ateliê da marca, onde o descarte da Hermès ganha nova vida.
Á dir., a logomarca na vitrine da nova loja do grupo
Uma carteira de croco, pequena, sai por US$ 70. Uma pulseira de metal revestido de tecido, o mesmo dos lenços, custa na faixa dos US$ 300. Já entre os itens de decoração, um dos mais caros já produzidos é um enorme urso panda, que reaproveita sobras do couro de bolsas e roupas. Preço do mimo: US$ 100 mil. Além das vitrines da nova loja, as peças rodam o mundo em mostras itinerantes nos desfiles da Hermès. Neste ano, depois de Hong Kong e Cingapura, a próxima parada da petit h será Londres, em novembro. Pascale espera, com isso, aproximar suas criações da clientela convencional da marca. “Temos um jeito diferente de olhar o que é descartado.
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Vintage chic: vestido de Martin Margiela com tecidos
recuperados de roupas dos anos 1920
Esta é a nossa assinatura”, diz ela. “Mas temos a mesma maneira de produzir do ateliê da Hermès.” Nos planos iniciais da petit h estava a ideia de abrir uma loja dentro da “caverna”. A proposta era mostrar aos compradores como tudo é feito, “como num restaurante onde se pode ver a cozinha”, afirma. Mas o projeto foi suspenso quando a Hermès ofereceu o espaço na Rue Sèvres, onde o contato com o cliente da maison seria mais intenso. E seduzir um consumidor tão exigente com o apelo da sustentabilidade é uma tarefa tão difícil quanto arriscada, já até assumida por outras maisons, com mais ou menos sucesso. Mas Pascale está determinada a isso. “Essa é uma necessidade minha, desde criança, que ninguém conseguiria impedir de tentar.”
Mais verdes do que nunca
Os ambientalistas do Greenpeace ranquearam as marcas de alta-costura que mais investem em processos sustentáveis de produção, analisando três fatores: origem e tratamento do couro, uso de papel nas embalagens e impacto ambiental da produção têxtil. Valentino (ao lado e abaixo) lidera. Confira a lista.
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VALENTINO – A marca implantou políticas de Desflorestamento Zero junto aos fornecedores de couro e papel, além do Descarte Zero em suas fábricas de tecido
ARMANI – Segundo o Greenpeace, a maison italiana vai bem no quesito couro e embalagem, mas peca ao não adotar ações antitóxicas nos processos têxteis
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DIOR – A label francesa também precisaria rever o uso de recursos químicos em seus tecidos, mas vai bem no critério da embalagem.
GUCCI – A companhia italiana se destacou em 2009 quando assinou o Tratado de Criação de Gado na Amazônia, o que ajudou a frear o desmatamento no Brasil
LOUIS VUITTON – Bom retrospecto na cadeia de fornecedores de matérias-primas e embalagens da marca francesa. Falta dar mais atenção à produção dos tecidos