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Em 21 de dezembro de 1951, às 20 horas, foi ao ar pela TV Tupi o primeiro capítulo de Sua vida me pertence. Walter Foster era, ao mesmo tempo, autor, diretor e protagonista dessa primeira telenovela brasileira, de apenas 15 capítulos. Ela causou frisson ao apresentar um beijo entre os protagonistas – Foster e a atriz Vida Alves. Sua vida me pertence era encenada ao vivo e não era diária. De lá para cá, a telenovela cresceu – não só em número de capítulos, mas também em complexidade, investimento e importância cultural. Campeã de audiência da TV brasileira desde sua invenção, a telenovela chega aos 60 anos com o desafio de arriscar formatos novos e um trunfo riquíssimo em sua própria memória.

Stefano Martini/Época

MULTIMÍDIA – Gravação da novela Cordel encantado no estúdio da Globo no bairro de Jacarepaguá. A trama agora repercute nas redes sociais

Tão nacional como o futebol ou o samba, a telenovela ainda é o produto de maior sucesso na televisão brasileira. Seu porcentual de audiência gira ao redor de 60% dos aparelhos ligados. Nada – nem os jogos de futebol – é tão visto quanto as novelas. E também tem crescido o costume de comentar os capítulos nas redes sociais. Os nomes de novelas e de seus personagens figuram diariamente entre os assuntos mais comentados do Twitter. “A televisão é a âncora de todas as outras mídias”, afirma Ricardo Waddington, diretor de núcleo da TV Globo. “O gênero novela nunca esteve tão forte.”

Mas um desafio está presente a todo momento: como no resto do mundo, a audiência se fragmentou entre muito mais opções de entretenimento. Hoje, a novela tem de enfrentar, além de um sem-número de canais pagos, também a concorrência de novas distrações, como internet, videogames ou até o conteúdo móvel dos celulares. Na década de 1970, a audiência média das novelas da Globo chegava a 75% dos aparelhos ligados. O último capítulo de Irmãos coragem, de 1970, conseguiu 85% de audiência – mais do que a final da Copa do Mundo no mesmo ano. Hoje, a situação é outra. Não basta mais brigar apenas por uma parcela maior dos televisores ligados – pois há menos televisores ligados.

No passado, as campeãs de audiência atraíam 70 pontos no Ibope (em São Paulo, a praça de maior densidade, cada ponto equivale a 60 mil residências sintonizadas). Atualmente, 40 pontos já representam sucesso.

Por tudo isso, ganhar espaço em outros meios, como a internet, se tornou uma prioridade para quem produz novelas. Desde o ano passado, os sites oficiais têm mais conteúdo, navegação fácil e integração com as redes sociais. Hoje, a página de Insensato coração, a novela da Globo das 21 horas, tem 800 mil visitas diárias. Os personagens ganharam blogs e interagem com o público nas redes sociais como se fossem gente de carne e osso. “Essa extensão da vida do personagem causa uma curiosidade impressionante”, diz Ana Bueno, gerente de internet da TV Globo. Ela dá como exemplo o blog de Natalie Lamour, vivida por Deborah Secco em Insensato coração: os visitantes dão conselhos, elogiam, reclamam. “Você pode me dar dicas de como fazer um make nas baladas?”, pergunta uma leitora. “Você é prova de que é possível ser gostosa e inteligente ao mesmo tempo”, diz outro.

Para Walcyr Carrasco, um dos autores mais bem-sucedidos da atualidade, as tramas do futuro vão acontecer também na internet ou no celular. “Durante muito tempo se disse que a novela desapareceria por causa das outras mídias. Ao contrário: ela vai crescer se aproveitando das outras plataformas”, diz ele. “Quanto mais a tecnologia de ponta se popularizar, mais ela será grande e forte.” Um exemplo são os repetidores de capítulos perdidos. A Globo oferece as cenas mais importantes aos internautas minutos depois de encerrado o capítulo do dia. “Conseguir acompanhar a história é um estímulo a mais para assistir ao produto original”, diz Dennis Carvalho, diretor de núcleo da TV Globo (leia a entrevista).

Além da adesão às novas plataformas, outra transformação começa a ocorrer no próprio formato de novela que se consagrou ao longo dos anos. Em julho, estreará a nova versão de O astro, clássico de Janete Clair de 1978, com duração de apenas três meses. Tradicionalmente, as novelas ficam no ar por nove, dez meses. Já se chegou, em passado recente, a um ano. A nova produção foi chamada de macrossérie ou mininovela e vai ao ar às 23 horas – horário hoje ocupado por séries e programas de humor.

Se o formato curto é novo, a ideia de retornar aos sucessos do passado já se consagrou e conquistou o apoio do público. Os originais das novelas antigas sempre tiveram boa audiência no tradicional programa Vale a pena ver de novo. Eles ganharam até um canal próprio na TV paga: o Viva, uma das maiores audiências da Globosat. Desde que foi criado há um ano, o canal tem alcançado a liderança da TV paga com tramas de época, como Vale tudo e Quatro por quatro. A primeira, de Gilberto Braga, virou cult nas redes sociais, mesmo entre jovens que ainda não tinham nascido em 1988. As vilãs Maria de Fátima (Glória Pires) e Odete Roitman (Beatriz Segall) viraram assunto na internet, apesar de a novela ir ao ar em dois horários pouco convencionais: na hora do almoço e quase à 1 da manhã. “Além de as histórias serem boas, há curiosidade em relação aos atores famosos quando eram mais jovens, à moda e aos costumes de outro tempo”, diz Fernando Schiavo, gerente de novos negócios do Viva.

Outra inovação pretende usar as novidades tecnológicas para atender aos novos interesses do espectador. A NET estuda, em parceria com a Globo, a locação de minisséries e novelas antigas num serviço de vídeo por demanda: o telespectador alugaria os capítulos que desejasse, no momento que preferisse.

As outras emissoras também vêm investindo na tentativa de inovar no universo das novelas. A Record construiu, no Rio de Janeiro, um complexo de estúdios com capacidade para cinco produções simultâneas de teledramaturgia. O SBT reforçou o time de autores e atores e aposta em temas polêmicos. A história de Amor e revolução, do horário das 22h30, se passa nos anos da ditadura. Ela foi criticada por militares e chamou a atenção por apresentar um beijo entre duas mulheres. “Nosso desafio é criar fábricas de novelas para concorrer”, diz Tiago Santiago, autor de novelas do SBT.

Não há dúvida de que a novela – seja nas novas plataformas, seja nos novos formatos – tem um futuro promissor. O motor disso será a geração de jovens que se interessam por elas. “O interesse das gerações mais novas por programas do passado é importante para a construção da identidade nacional”, diz Maria Imacolatta Lopes, coordenadora do Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Universidade de São Paulo. “Nossa memória da telenovela é social e afetiva.”

João Miguel Júnior/TV Globo

HOJE E ONTEM – Rodrigo Lombardi (à esq.), galã do remake de O astro, e Francisco Cuoco, protagonista da versão original. A novela vai inaugurar uma nova faixa da programação

http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI236884-15220,00.html